Jornalista: Jéssica Kruckenfellner
26/05/2015
- O prazo para implantação da rastreabilidade de medicamentos não deve ser
cumprido pela indústria. Representantes do setor dizem que, apesar dos
investimentos das fabricantes, a cadeia de distribuição ainda não está
preparada.
O
presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São
Paulo (Sindusfarma),
Nelson Mussolini, conta que ainda existem dúvidas quanto à regulamentação das
regras para rastreabilidade de medicamentos proposta pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
Aprovada
em dezembro de 2013, a resolução nº 54 da Anvisa definiu prazos para
implantação do sistema nacional de controle de medicamentos e os procedimentos
para rastrear os produtos em toda a cadeia.
De
acordo com a resolução, as empresas que detêm o registro dos medicamentos
precisam entregar à Anvisa até dezembro desse ano três lotes com
rastreabilidade implantada e, até dezembro de 2016, toda a produção precisa
estar adequada as novas regras.
"O
setor está aguardando a publicação de mais informações para ter parâmetros para
a mudança nos processos", explica ele. Mussolini lembra que, na época da
aprovação da resolução, o prazo de três anos para implantação do sistema foi
considerado suficiente para que todo setor se adequasse.
"Não
parecia tão complicado como está se mostrando agora e ainda falta orientação e
determinação do ponto de vista regulatório", avalia ele.
Mussolini
pondera que no setor existem diferentes avaliações sobre o tempo necessário
para implementar o sistema. Ele acredita, porém, que o setor precisa de um
prazo de no mínimo três anos, além do tempo para que toda a cadeia possa se
adequar. "Qualquer prazo de seis a dez anos não é nada absurdo para se
considerar. Nos Estados Unidos eles estipularam um prazo de dez anos."
O
gerente executivo de operações da Libbs, Carlos Reis, também nota que ainda não
está claro como o sistema funcionará fora da fábrica. Apesar disso, a
farmacêutica, que começou a investir em rastreabilidade em 2009, não tem
encontrado dificuldade para atender as exigências. "Temos outros elos da
cadeia, como os distribuidores, que precisam de ajuda na implementação",
destaca.
Segundo
o executivo, o prazo estipulado pela Anvisa é desafiador, mas viável para as
empresas que começaram a investir em rastreabilidade desde o início do
processo. Ele reconhece, entretanto, que é possível que algumas empresas não
consigam atender ao cronograma. A Libbs já investiu cerca de R$ 7 milhões em
rastreabilidade.
Investimentos
De
acordo com o coordenador do Programa de Estudos em Saúde da Fundação Instituto
de Administração (FIA), Marcelo Pedroso, um fator que pode levar as empresas a
adiarem o investimento em rastreabilidade é o menor capital disponível.
"As
empresas menores geralmente aguardam para ter certeza que a norma será
implantada e qual será a tecnologia usada para não perder o investimento, mas
quando isso é definido elas fazem os aportes", conta.
A
coordenadora de qualificação da Isofarma, Larissa Plutarco, conta que os
investimentos da empresa só começaram depois de um ano aguardando as definições
da Anvisa. "Tínhamos muitas dúvidas em relação a implantação do processo,
então esperamos até que ficasse mais claro como vai funcionar".
Mas,
segundo ela, nem todas as dúvidas foram sanadas e a expectativa da fabricante é
que até o final de 2015 a Anvisa publique notas técnicas para dar suporte às
empresas.
De
acordo com a executiva, a Isofarma está em fase de planejamento, procurando
fornecedores para implantar a rastreabilidade e acredita que até dezembro
conseguirá produzir os lotes exigidos pela Anvisa. "O prazo imposto é bem
crítico, mas vamos nos adequar para continuar no mercado", afirma.
Para
estimular a adesão do restante da cadeia, a Isofarma tem feito palestras para
ensinar aos revendedores como identificar que clientes estão aptos a
comercializar medicamentos com rastreabilidade.
"Essa
tem sido a nossa estratégia e, até o momento, a repercussão tem sido
positiva", conta. Larissa declarou que ainda não sabe quanto será
investido na linha de produção.
Já
a unidade brasileira da Aspen Pharma investiu R$ 5 milhões para produzir o
primeiro lote de medicamentos com rastreabilidade. "O primeiro lote
receberá a maior parte do investimento, porque inclui o aporte em equipamentos
e sistemas", detalha o diretor executivo da farmacêutica, Alexandre
França. A empresa vai investir recursos próprios para financiar as adequações
na fábrica.
"A
discussão para a Aspen agora é como essa nova regra vai funcionar para produtos
importados, o que ainda não está definido", observa ele. Nesses casos,
França destaca que é importante pensar em uma forma de integrar informações
vindas de outros países. "Rastrear medicamentos é uma tendência mundial,
mas cada país está fazendo de maneira diferente".
Segundo
o planejamento da Aspen, até novembro desse ano toda a estrutura necessária
para fabricar os lotes-piloto estará pronta. "Vamos entregar um mês antes
do prazo final para essa etapa, mas há rumores de que os prazos podem ser
adiados", conta o executivo.
Produtividade
O
executivo da Aspen estima que, mesmo com o planejamento para implantar o
sistema antes do prazo final, a produtividade deve ser prejudicada. "Temos
um cálculo de perda de produtividade na ordem de 10% nos primeiros dois
anos", diz.
Caso
a empresa não recupere a produtividade, o executivo reconhece que existem duas
alternativas para compensar as perdas. "Vamos buscar mais receita ou
cortas gastos, mas como o cenário econômico não tem dado sinais de grande
crescimento, é provável que a segunda opção seja adotada", diz.
Na
Libbs, a rastreabilidade era responsável por uma perda de cerca de 30% em
produtividade no início da implantação, em 2009. Hoje, a empresa estima que a
perda não chega a 5%.
Para
Marcelo Pedroso da FIA, o menor volume de produção naturalmente vai fazer com
que a pressão por produtividade seja menor, mas não anula a avaliação sobre o
retorno do investimento. "É importante observar não só produtividade, mas
também a expectativa de redução do nível de estoques indesejados", cita.
Com
o controle sobre a distribuição dos medicamentos, as fabricantes esperam
melhorar o planejamento da produção e, consequentemente, reduzir perdas com
excesso e falta de estoque, além dos prejuízos com medicamentos vencidos.
Segurança
Pedroso
observa também que a rastreabilidade deve reduzir a falsificação e roubo de
produtos. "A rastreabilidade pode não resolver todos os problemas do
setor, mas certamente vai dificultar mais as fraudes e roubos", avalia o
especialista.
Na
opinião do gerente executivo da Libbs, a rastreabilidade terá papel importante
no combate ao desvio de cargas e adulteração de produtos. "Porque uma vez
que há um código único em cada caixa, toda a cadeia pode identificar se aquele
produto está válido apenas com a leitura do código".
Já
o laboratório Cristália, que atualmente tem cerca de 100 tipos de embalagens
com códigos de identificação rastreáveis, aposta na vantagem que o mecanismo
representa para os clientes. "O farmacêutico era obrigado a anotar manualmente
as informações básicas do produto, mas agora faz isso por meio de um leitor
ótico", detalha o gerente de produtos da área hospitalar do Cristália,
Romualdo Silveira.
Procurada
pela reportagem, a Anvisa não respondeu até o fechamento desta edição.