O estado do Rio de Janeiro entrou para valer no movimento nacional que vai definir um acordo setorial sobre a logística reversa de medicamentos. As principais entidades estão mobilizadas desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a se reunir com as lideranças nas principais capitais brasileiras. No início de setembro, a assistente técnica do Núcleo de Regulação e Boas Práticas Regulatórias da Anvisa, Simone Ribas, esteve na Ascoferj para dar sequência à discussão que vai culminar com o fechamento de um acordo no primeiro semestre de 2013.
A Anvisa começou a debater possíveis caminhos para recolhimento e destinação correta de medicamentos vencidos há dois anos, quando foi instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal 12.305/2010). Desde então, já visitou mais de 20 estados brasileiros. “A responsabilidade maior pelo recolhimento do medicamento vencido será do fabricante, mas toda a cadeia vai compartilhar essa responsabilidade, só não sabemos ainda de que forma. Na verdade, a Anvisa não vai trazer respostas prontas. Cada estado deverá apresentar um projeto que será analisado e aprovado pela Agência”, explicou Simone, durante palestra na Ascoferj.
O que existe hoje no País são ações voluntárias e individuais de recolhimento e destinação correta de medicamentos vencidos. Redes como Droga Raia, Panvel, Farmes, Drogsfarma têm programas de recolhimento em seus pontos de venda. O Pão de Açúcar mantém um projeto em parceria com a Eurofarma. Ao todo, são mais de dois mil pontos de coleta no Brasil, segundo a Anvisa.
No entanto, a proposta da agência reguladora é criar uma logística reversa compartilhada, que envolva consumidores, varejo, distribuição e fabricante. Os três últimos trabalharão em conjunto para minimizar um problema que é ao mesmo tempo de saúde e ambiental. Medicamentos no lixo comum colocam em risco a vida das pessoas e ameaçam flora e fauna com a poluição.
O maior empasse tem sido definir os custos de um projeto deste porte e o quanto de investimento caberá a cada um, com exceção do consumidor, cujo papel será apenas o de levar os produtos vencidos até os pontos de coleta. O varejo não aceita pagar a conta sozinho, assim como a indústria, apesar de ser a fabricante dos produtos.
A saída está sendo mapear ações e projetos pelo Brasil afora e reunir os resultados dessas iniciativas voluntárias, a ponto de se chegar a um valor estimado de volume e custo. Para isso, a Anvisa conta com a contribuição das redes que recolhem medicamentos vencidos e com um estudo encomendado à Universidade de Campinas (Unicamp) para obter dados e números mais palpáveis.
Em estágio intermediário, a pesquisa da Unicamp, intitulada “Análise de Viabilidade Técnica e Econômica da Logística Reversa de Medicamentos no Brasil”, está avaliando o cenário internacional e suas experiências, a fim de ajudar na construção de um modelo brasileiro. Sabe- se que, lá fora, existem dois grupos principais: o da União Europeia, com destaque para países como Portugal, Espanha e França, cujas diretrizes de uma política reversa estão reguladas, predominando a ideia de uma gestão integrada; e o dos EUA e Canadá, onde não há marco regulatório, e as experiências são dispersas.
“Ainda não temos valores fechados. Estamos aguardando contribuições do setor para fazer uma estimativa dentro da nossa realidade. Temos que definir os custos com tratamento, transporte da mercadoria e sistema de gestão. Mas não acredito que vá destoar muito da experiência internacional”, avalia Celio Hiratuka, professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e Tecnologia e coordenador da pesquisa.
Na Espanha, por exemplo, onde farmácias, distribuidores e fabricantes conseguiram estabelecer um acordo setorial, o custo da logística reversa por unidade de medicamento é de 0,006 centavos de Euro, o que em Real corresponderia a 0,02 centavos. “No Brasil, precisamos levar em conta as diferenças regionais, mas essa referência internacional serve para balizar a discussão. Vale destacar que a eficiência na logística, com o tempo, faz o custo cair ainda mais”, explica o pesquisador. Iniciada no final de 2011, a conclusão da pesquisa está prevista para novembro próximo.
Goiás sai na frente na gestão compartilhada
De todas as iniciativas Brasil afora, vale destacar o projeto de logística reversa de Goiás, desenvolvido pelo Grupo Temático de Medicamentos (GTM/GO) e implantado nas cidades de Goiânia, Anápolis e Aparecida de Goiânia.
“As farmácias já tinham a demanda de devolução dos vencidos pelo consumidor, mas mesmo assim nosso maior desafio tem sido a adesão dos estabelecimentos”, expõe o presidente executivo do Sindicato das indústrias Farmacêuticas no Estado de Goiás (Sindifargo), Marçal Henrique Soares. Iniciado em setembro deste ano, até o fechamento desta edição, havia mobilizado 40 pontos de venda, faltando 160 para atingir a meta inicial estabelecida.
O projeto piloto de GO ganha em relevância porque envolve entidades como Sindifargo, Sincofago, Sinfargo, Adprofar, Vigilâncias Sanitárias, CRF-GO, entre outras. A distribuição das urnas para coleta dos medicamentos vencidos, por exemplo, é responsabilidade do CRF-GO. “Todas as entidades estão com o mesmo objetivo”, reconhece o presidente executivo do Sindifargo.
Previsto para terminar no final do ano, o projeto piloto teve um custo inicial de R$ 643 mil, subsidiados por entidades e empresas privadas envolvidas no projeto. Para se ter ideia, o maior custo ficou por conta do software de gestão: R$ 315 mil, custeado pela empresa de informática. A ferramenta é fundamental para gerenciar desde a entrega da urna ao ponto de venda até a destinação final dos resíduos, além de gerar relatórios para a Anvisa.
O co-processamento dos medicamentos vencidos, técnica que consiste na trituração do produto para que seja usado com combustível nos altos fornos de cimento, custará no total R$ 120 mil – para 40 mil kg – e vem sendo bancado pela empresa responsável pela destinação final dos resíduos. As demais entidades arcaram com as despesas referentes a urnas de coleta, material promocional, treinamento da equipe, entre outros custos operacionais.
“As estatísticas que temos são de experiências internacionais. Nosso projeto e os demais existentes em território brasileiro possibilitarão dimensionar a realidade do Brasil. Não é possível discutir rateio entre varejo, distribuição e indústria sem apurar primeiro volume e custos. E é o que estamos fazendo com o piloto de GO”, reforça Marçal Soares.
O projeto paulista
São Paulo é outro estado que já deu o pontapé inicial na implantação de uma logística reversa de medicamentos. Neste mês de outubro, coloca em andamento o DESEG (Descarte Seguro). Com adesão iniciada em 15 de setembro, já contava com 300 estabelecimentos no fechamento desta edição, sendo a maioria farmácias independentes. A meta são dois mil pontos de venda.
Previsto para ser concluído em março de 2013, o piloto paulista tem basicamente o mesmo objetivo que o projeto de GO: mensurar volume e custos. “Estamos preocupados que o ônus pela logística reversa recaia somente sobre o varejo. Isso não seria correto. Não podemos responsabilizar a farmácia por algo que nem produziu. A responsabilidade deve ser compartilhada”, frisa Juan Bezerra, do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sincofarma SP).
No modelo paulista, a prefeitura se encarregará de recolher os resíduos à taxa mensal de R$ 50 por farmácia. A indústria, por sua vez, vai fornecer os coletores. “Ainda não discutimos a participação do atacado, que será convidado a integrar o projeto”, informa Bezerra.
“Precisamos ter em mente dois pontos importantes. Primeiro, não podemos potencializar o risco sanitário e prejudicar o meio ambiente. Segundo, a resolução da Anvisa que virá com toda essa mobilização precisa ser aplicável a todo o País, considerando suas regionalidades”, reforça Bezerra.
100% de adesão
Uma rede associativista de Londrina e cidades vizinhas aderiu integralmente a um projeto de logística reversa desenvolvido pela diretoria da Drogamais. Desde março de 2011, 58 farmácias recolhem medicamentos vencidos. Em um ano e meio, foram três toneladas. A implantação custou R$ 12 mil e cada loja contribui mensalmente com a taxa de R$ 43,50 para manter o projeto em funcionamento. O varejo recebeu apoio do atacado e da indústria.
“Um acordo setorial seria bem melhor do que existe hoje: ações isoladas. Mas a dificuldade está na adesão. O varejo precisa de incentivos fiscais. A Anvisa poderia, por exemplo, reduzir o valor da taxa que cobra anualmente pela autorização de funcionamento, que está em torno de R$ 500. Seria uma troca”, propõe Tadeu Imoto, diretor de marketing da Drogamais.
O que pensam indústria e atacado
Tanto indústria quanto atacado apoiam a proposta da Anvisa de um acordo setorial para a logística reversa de medicamentos e concordam que é necessário mensurar volume de resíduo gerado e custos de manutenção do acordo.
“Precisamos de dados reais, que retratem a realidade brasileira. Por isso, a Anvisa está investindo nas reuniões em vários estados, em uma tentativa de reunir informações que possam orientar a criação do acordo setorial”, explica a diretora da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Maria José Delgado Fagundes.
Para a diretora, há divergências, mas a proposta de uma logística reversa compartilhada vem sendo construída nos últimos dois anos, havendo, portanto, um alinhamento entre os integrantes da cadeia. “Apoiamos a Anvisa porque a proposta de logística reversa contribui para a sustentabilidade e aproxima os setores da cadeia farmacêutica. Essa discussão é da democracia, ainda mais considerando ser uma medida inovadora, que precisará de ajustes o tempo todo”, defende Maria José.
Por outro lado, o custeamento preocupa a indústria. “O custo não pode ser repassado para o medicamento. Precisamos de incentivos fiscais. Por isso, pergunto: qual será a contrapartida do estado?”, indaga a diretora da Interfarma.
A Associação Brasileira do Atacado Farmacêutico (Abafarma) também acredita em um acordo setorial, mas tem ressalvas quanto à forma de se fazer a logística reversa compartilhada. “Estamos sintonizados com as demais entidades participantes no sentido de buscarmos um consenso viável, levando em conta volume, destinação e custo”, diz o diretor executivo Jorge Froes de Aguilar.
Na visão do diretor, cuidar do descarte de qualquer resíduo é fundamental, mas não se pode abrir mão de avaliar infraestrutura e demandas. “Um componente importantíssimo é a questão econômica. Definindo isso e com as ações e estudos que estão sendo feitos, poderemos concluir o acordo”, reforça.
Anvisa e cadeia farmacêutica discutem em conjunto um modelo de acordo setorial para viabilizar a logística reversa de medicamentos — Descarte de Medicamentos:
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