Jornalista: Talita Fernandes
16/06/2014
- O governo brasileiro mostra-se incansável quando o assunto é colocar-se em
maus lençóis em nome de sua simpatia pelo regime dos irmãos Castro, em Cuba.
Não bastasse a utilização de quase 700 milhões de dólares em recursos do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar a
construção do Porto de Mariel, a 45 quilômetros de Havana, a nova empreitada
que vem sendo orquestrada pela alta cúpula prevê, conforme revelou o colunista
do site de VEJA Reinaldo Azevedo, a ida de empresas farmacêuticas brasileiras
para produzir medicamentos em solo cubano. A estratégia é tentar rentabilizar a
zona portuária por meio da exportação de remédios produzidos em parceria entre
estatais cubanas e empresas brasileiras — em especial fabricantes de genéricos
e biossimilares. Desde a inauguração da primeira fase do terminal de
contêineres do porto, em janeiro, o governo vem travando uma ofensiva velada
para levar executivos a Cuba para participar de grupos de trabalho. O alto
escalão da República tem atuado, por assim dizer, como lobista de primeira
linha dos irmãos Castro, sem que qualquer contrapartida benéfica para o Brasil
seja posta na mesa. Mas a estratégia tem encontrado resistência: o alto custo
de instalação de indústrias na ilha e as dificuldades de exportação de
produtos, devido ao embargo econômico, tornam a empreitada economicamente
inviável. Além disso, a razão de o governo demandar investimentos em Cuba, e
não no Brasil, está cercada de pontos nebulosos. Afinal, costurar acordos com
outros países com o objetivo de estimular a indústria nacional é agenda mais
que bem-vinda para o país. Contudo, não há lógica que justifique lançar mão do
mesmo expediente para criar (mais um) pacote de bondades para Cuba.
Em
janeiro, a presidente Dilma Rousseff, o então ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, e seu sucessor, Arthur Chioro — que está à frente da pasta desde que
Padilha saiu para candidatar-se ao governo paulista pelo PT — convidaram
empresários do setor farmacêutico, que ouviram da própria presidente a intenção
do governo de levar empresas brasileiras para se instalar na Zona Especial do
Porto de Mariel e desenvolver a economia local. A estratégia é construída com
base no argumento das vantagens tributárias e alfandegárias da Zona Especial.
Contudo, mesmo com todos os incentivos, empresários ouvidos pelo site de VEJA
se mostraram céticos.
Inviabilidade
econômica
— Os convites vêm confundindo o empresariado porque contrariam o próprio plano
que o governo brasileiro tem para o setor farmacêutico. "Não faz o menor
sentido, pois o Brasil já tem uma estratégia bem desenhada para o setor, que é
de estimular a indústria nacional por meio das próprias compras governamentais.
O plano para Cuba vai contra a própria política industrial", diz Dante
Alário Junior, sócio e responsável pela área de pesquisa e desenvolvimento e
inovação da Biolab. Sua empresa já recebeu vários convites para participar de
eventos promovidos pelo governo brasileiro em Cuba e investir na ilha — o
último deles ocorreu no início de junho — mas não tem interesse na empreitada
porque já investe num projeto de internacionalização nos Estados Unidos. “Cuba
foi descartada porque não temos condições de investir também lá. Não faz
sentido para a empresa", afirma.
Outro
executivo do setor ouvido pelo site de VEJA, que prefere não ter seu nome
revelado, afirmou que os empresários se mantêm descrentes em relação à
viabilidade dos investimentos. “O setor farmacêutico sempre foi cético com a
possibilidade de Cuba suprir um negócio que exige alta tecnologia”, disse.
Parte do pessimismo deve-se também ao fato de as empresas brasileiras já
estarem firmando acordo com multinacionais de outros países para produzir
medicamentos (em especial os biossimilares), sobretudo americanas e europeias.
O embargo econômico a Cuba anula a viabilidade, diz o executivo, porque impede
que tais empresas consigam exportar os medicamentos produzidos na ilha para
mercados consumidores importantes, como Estados Unidos e México, que têm
proximidade geográfica.
As
farmacêuticas vêm sendo procuradas há mais de um ano para realizar
investimentos em Cuba. Num primeiro momento, o contato foi estabelecido por
intermédio da Odebrecht, responsável pela construção do porto cubano. Em 2014,
o governo passou a fazer os convites, excluindo da lista as empresas associadas
à Interfarma, que são essencialmente estrangeiras. Procurada pela reportagem, a
Odebrecht disse que "apoia o acordo bilateral entre Brasil e Cuba no
desenvolvimento de medicamentos". A companhia, inclusive, assinou um
Memorando de Entendimentos com a farmacêutica cubana Cimab para a criação de
uma joint-venture na ilha. Contudo, o acordo nunca saiu do papel.
Mesmo
sem um interesse claro em investir na ilha, as empresas são alvo de tamanha
insistência do governo — em especial do Ministério da Saúde e do
Desenvolvimento — que não ousam declinar totalmente as ofertas de negócios. “As
que foram a Cuba quiseram atender a um pedido da Presidência. É muito difícil
não ir”, disse o médico e deputado federal Eleuses Paiva (PSD-SP), que está
ciente das conversas no Ministério da Saúde. “Agora, se as indústrias forem se
instalar, é porque o governo está montando situações econômicas fantásticas”,
disse o deputado. "A indústria de genéricos acabou de construir um parque
nacional. É tudo recente demais para ir a Cuba”, disse.
De
Brasília a Havana
— A última reunião realizada em Cuba ocorreu nos dias 5 e 6 de junho, liderada
pelo Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da
Saúde, Carlos Gadelha. O encontro contou também com a participação de
executivos da Eurofarma, da PróGenéricos (Associação dos produtores de
medicamentos genéricos) e de representantes da Fiocruz e da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). Procuradas, as empresas participantes negaram
que o encontro tenha sido realizado com o objetivo de levar as farmacêuticas a
se instalarem em Cuba. Contudo, a pauta do encontro, à qual o site de VEJA teve
acesso, mencionava a discussão de “investimentos no Porto de Mariel”.
Comandante
da missão, Carlos Gadelha é um dos nomes do Ministério da Saúde citados nos
escândalos da Operação Lava-Jato. Conduzida pela Polícia Federal, a Operação
desmontou um esquema bilionário de lavagem de dinheiro orquestrado pelo doleiro
Alberto Youssef, preso desde março e pivô dos escândalos. O laboratório
comandado pelo doleiro, o Labogen, é apontado pela Polícia Federal como o carro-chefe
do esquema de lavagem de dinheiro. Durante as investigações, a PF interceptou
conversa telefônica entre o empresário Pedro Argese e Youssef, relacionadas à
assinatura de parcerias entre o Ministério da Saúde e empresas privadas. Em um
dos trechos, Argese comenta ter conversado com Gadelha. De acordo com a
transcrição, divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, o secretário teria
prometido dar todo o apoio possível para a retomada do Labogen.
O
Ministério da Saúde nega que o governo brasileiro queira incentivar a
instalação de empresas farmacêuticas em Cuba. Afirmou que o encontro de junho
teve "por objetivo o monitoramento e avaliação das prioridades
científicas, tecnológicas e de saúde pública para os respectivos países em
áreas como terapia e controle de câncer, terapia celular e neurociências”. Em
nota, afirmou ainda que o país tem cerca de vinte projetos em andamento entre
laboratórios públicos e privados brasileiros com instituições cubanas. “Em
nenhum dos projetos aprovados pelo Comitê, cabe ressaltar, está prevista a
instalação de fábricas brasileiras em Cuba.”
A
pasta, contudo, não combinou a resposta com os cubanos. Artigo extenso do
jornal castrista Granma aponta o Brasil como principal parceiro de Cuba no
setor farmacêutico. Diz o texto que uma nova etapa na cooperação entre os dois
países iniciou-se após a visita a Havana da presidente Dilma, em janeiro deste
ano. E que a criação de empresas mistas (brasileiras e cubanas) colocadas na
Zona Especial do Porto de Mariel, "utilizando tecnologia cubana e capital
brasileiro", servirá para incentivar a produção de biossimilares para
"satisfazer as necessidades dos sistemas de saúde de ambos os países e
permitir a exportação conjunta a outros mercados". O que ainda não está
claro — e o governo se negou a explicar — é a razão de se investir capital dos
contribuintes brasileiros para desenvolver a indústria de outro país. Trata-se,
mais uma vez, de um presente generosíssimo do Brasil ao regime cubano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário